7 perguntas para… Daniel Dantas

Com mais de quatro décadas de carreira no teatro, no cinema e na televisão, Daniel Dantas coleciona personagens memoráveis e ainda pretende interpretar inúmeros outros, como mais um Shakespeare. Nessa entrevista, ele fala também como diretor de “Os Desajustados”, espetáculo em cartaz no Teatro Oi Futuro, que investiga as fronteiras entre o teatro e a fotografia, o público e o privado.

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“Os Desajustados” trata, de alguma forma, do privado x público. Como você vê a força das redes sociais hoje, na vida de cada um?
As redes sociais poderiam servir como um enorme espaço de conversa e entendimento, e, pelo visto, estão se transformando no oposto: um lugar para propagar medo, discórdia, ódio. E acho que a gente se engana quando fala e pensa nessa tendência como se fosse um defeito intrínseco das redes em si. Não é. Há forças políticas e econômicas que vêm trabalhando ativamente para que se perca esse lugar de conversa. A gente devia pensar quem é que ganha quando essa enorme praça pública se torna uma miríade de condomínios fechados.

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 Há vantagens, para além do trato com os atores, em ser um diretor, que, a vida inteira, foi dirigido?
Deve haver muitas. Mas ainda estou descobrindo, não tenho certeza. Uma certa: entender que cada ator e cada peça pede um método de aproximação diferente, que cada situação tem exigências e possibilidades diversas. É um bom primeiro passo, mas não garante muita coisa. Preciso aprender muito, a partir daí.

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Com mais de 20 filmes na carreira, como você percebe o mercado de cinema atualmente no Brasil?          
Não sei falar de mercado de cinema, sinceramente. O que eu vejo é que o Brasil tem uma quantidade espantosa de artistas que não tem como divulgar e distribuir o seu trabalho. O sistema de distribuição é muito ruim, pelo que sei; restrito, dominado pelo blockbuster americano e por produções nacionais de um só tipo. Algumas dessas comédias e filmes “fáceis” são ótimos filmes, é verdade, mas é ruim para o mercado e para a produção que só um tipo de filme fique acessível ao público. A variedade é a melhor estratégia de sobrevivência, em qualquer campo.

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 Qual a sua opinião sobre o teatro que é produzido hoje no Rio?
Há, como sempre, teatro de alto nível sendo feito no Rio, como no Brasil todo. Mas teatro precisa, tanto ou mais que o cinema, de incentivo. Das empresas, sem dúvida. Mas principalmente do estado. E essa participação do estado, independente do que se diz por aí, hoje é ridiculamente pequena. Para piorar, há uma concentração enorme desse dinheiro, e grande parte dele vai justamente para quem não precisa, para espetáculos (para produtoras, na verdade) que poderiam se sustentar com tranquilidade sem essa ajuda. Essa distribuição é muito pouco democrática e, pelo visto, vai ficar cada vez menos. Como estratégia de longo e médio prazo, como eu já disse, é um desastre.

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Você representou muitos personagens nos palcos teatrais, nas telas e na televisão. Qual deles mais lhe marcou?
Há muita coisa de que eu lembro com prazer. ‘Moritz’, no “O Despertar da Primavera”, do Wedekind; ‘Asdak’, no “O Circulo de Giz Caucasiano”, do Brecht; ‘George’, no “Quem tem medo de Virgínia Wolf”, do Albee; ‘Ubu’, no “Ubu Rei”, do Jarry; o ‘Hassim’ do “Vamos Sair da Chuva Quando a Bomba Cair”; de Mário Bortolotto; ‘Macbeth’, no “Macbeth”, do Shakespeare; ‘Davies’, no “Inoportuno”, do Pinter. Caramba, tem mais!!! ‘Pascal’ do “Encontro de Descartes com Pascal”; dois em peças do Mauro Rasi, “Viagem a Forli” e “Baile de Máscaras”… Tive muita sorte, acho.

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E quem ainda gostaria de interpretar?
Muitos. Outro Shakespeare. Autores novos brasileiros. Um dos gregos, pelo menos. Um Moliére. Falar um Padre Vieira, sei lá. Poesia. Narrar um grande livro.

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Algumas pessoas o consideram muito parecido com seu pai, o falecido ator Nelson Dantas. Que influência ele teve na sua trajetória artística?
À medida que o tempo passa a gente fica cada vez mais parecido com os nossos pais, não é? Eu mesmo me acho cada vez mais parecido com ele. Mas profissionalmente ele nunca influenciou diretamente. Era muito cuidadoso, interferia muito pouco nas escolhas profissionais dos filhos. Deixava que as coisas acontecessem por si, nunca impunha nada, nesse sentido. Indiretamente, no entanto, ele teve uma influência enorme. O ambiente cultural da casa, cheia de artistas, gente de cinema, teatro e musica e, principalmente a presença da minha mãe, que era uma jornalista e uma excelente crítica amadora de teatro; tudo isso fez a nossa formação. Minha e da minha irmã, Andréa Dantas, uma ótima atriz. E, quanto mais eu aprendia, mais entendia o ator extraordinário que ele era. O meu jeito de atuar deve ter muito a ver com o dele: na origem; no que eu considero bom ou ruim; no “estilo”, se é que se pode usar essa palavra. E, no entanto, acho que somos atores de funcionamento muito diferente. Meu pai era um critico severo, mas cuidadoso. Minha mãe era implacável. Percebia e apontava cada erro, e nos cobrava seriedade e dedicação, sempre. Devo muito aos dois, por isso.

 

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