8 perguntas para… Daniela Thomas

Em entrevista exclusiva, a diretora e dramaturga carioca, filha de Ziraldo e responsável pela cerimônia de abertura das Olimpíadas no Rio, fala sobre seu mais novo trabalho, o forte ”O Banquete”, inspirações, preconceito e mais.

Confira:

O Banquete” é um filme intenso, se passa numa única noite e tem diálogos fortes. De onde surgiu a ideia da realização do longa?
Da vontade de ouvir e ver no cinema o tom exato, o jeito exato das falas que ouvi em jantares, reuniões, encontros que testemunhei por toda a vida. E também do meu fascínio por atores, do engajamento que eles podem trazer para um papel, do quanto eles conseguem estar “presentes” na cena. Sempre desejei criar uma situação para ver atores incríveis roubarem o filme ou a peça de mim. Que nem nos filmes do Cassavettes, sabe? No filme eu realizei esse sonho. Fiz um filme grudado no rosto dos atores, que estavam inteiramente tomados por seus personagens.

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Por se passar num mesmo espaço e num curto espaço de tempo, quais foram os cuidados que você e a equipe tiveram ao filmar o longa?
Foram muitos cuidados… O set de filmagem era de 360 graus, por causa do grande espelho que refletia todo o salão. Só possível porque o Inti Briones, o fotógrafo, o Vasco Pimentel, diretor de som e seu boom-man, o Juliano, foram parceiros extraordinários. E, claro, porque os atores compraram a loucura de filmar planos sequência de quase uma hora, várias vezes por dia. A equipe ficava toda escondida na cozinha ou no quintal, vendo o que estava sendo filmado por monitores e ouvindo por headphones.

Na sala, só os atores, o Inti com a câmera na mão e o Juliano com o boom (invisível, só pode ser, pois nunca entrou em quadro nem no espelho!). Até o foco era feito por controle remoto pela super Liz, por trás de uma parede. Eu dava sugestões ao Inti por radio através do fone. Os atores, com a câmera rodando, já não recebiam mais nenhum tipo de direção minha. Era só deliciar-me no video-assist com o Banquete onde eles se devoravam uns aos outros.

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O filme tem uma mensagem bem atual, embora se passe num passado não muito distante. Você acha que o filme vai servir para que as pessoas tenham uma outra visão do cenário político em que nos encontramos?
Acho que ele contém uma advertência importante, às vésperas de uma eleição temerosa: ele retrata o momento, no início dos anos 90, em que a elite se deu conta de que caiu no conto do “salvador da pátria”. O presidente que eles haviam apoiado, contra o “perigoso” Lula, era uma farsa, um homem despreparado, um populista, um projeto de caudilho. Nós estamos vivendo o risco de repetir a mesma história, mas agora de maneira ainda mais macabra, e essa possibilidade de repetição mostra quão sem visão, quão despreparada é a elite do nosso país. 

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O filme conta com atrizes brilhantes – Drica Moraes, Mariana Lima, Bruna Linzmeyer. Era sua intenção desde o início mostrar a força da mulher naquela noite e no desenvolvimento da história? Pode falar um pouco sobre as construções das personagens?
Sim. A contradição desse momento na história da nossa sociedade é o convívio nas mulheres de uma imensa força intelectual, expressiva, e uma quase equivalente submissão à lógica do pensamento masculino. O filme trata justamente da possível quebra dessa servidão. Ao conseguir juntar esse grupo de atrizes tão extraordinário em torno de uma mesa de discussão e ensaio, eu pude contar com a colaboração e o engajamento de cada uma delas na construção dos seus personagens. Foi incrível. Elas me ensinaram muito.

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O filme tem todo um clima de sedução, passa pelo deboche, pelo mistério, as personagens todas reunidas ao redor da mesa, em alguns momentos ”lavando a roupa suja”. Como foi o clima das filmagens? E sua parceria com o elenco?
Inesquecível. Delicioso. Filmamos em 2016 e até hoje nos falamos com frequência, saudosos daqueles dias de imersão total e grande esbórnia. Foram consumidas muitas garrafas de vinho e uísque, por exemplo, e os atores ainda falam com imenso carinho da liberdade e autonomia que tiveram.

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Você veio de um trabalho super forte, o ”Vazante”, do ano passado, que sofreu grandes críticas. Na sua opinião, o Brasil precisa de mais filmes assim, que não sejam isentos? Seu objetivo era criar uma discussão sobre o tema?
Tenho ideias, preocupações e interesses que se impõem à minha imaginação quando começo a criar uma história. Seria incrível se houvesse uma bela sintonia entre essas preocupações e o espírito do tempo, no momento do lançamento dos meus filmes. Mas eu, como se pode perceber, não me pauto por isso. Faço os filmes em  que acredito e eles vão para mundo e vivem o que têm que viver. A ideia de ofender as pessoas, especialmente as que pertencem a grupos sistematicamente desprezados pela sociedade em que vivo, é algo impensável para mim. Foi muito sofrido em ”Vazante” ver o filme percebido como uma afronta aos negros. Vai contra tudo o que eu sou e acredito. Mas, uma coisa eu aprendi desde o meu primeiro projeto: não se controla a maneira como uma obra é recebida. Ela pertence a seu tempo.

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”Como nossos pais”, ”Aquarius” e ”Que horas ela volta?” são alguns filmes recentes que fizeram sucesso por retratar temas sensíveis de forma muito honesta. Você acredita no cinema como arma de transformação da sociedade? Que tipo de história você acha digna de ser contada?
O filme brasileiro que mais me impactou nos últimos tempos foi o “Era o Hotel Cambridge” e um dos resultados mais extraordinários desse filme foi a doação do prédio para os moradores/invasores dele, pelo “Minha casa minha vida”.  Fiquei muito impressionada com isso, mas eu acredito que a arte não precisa servir para alguma coisa, algum ideal, para ter valor. A arte pode ser pura expressão.

Mas o fato é que o cinema é uma potência de comunicação, pois funciona como uma experiência muito engajadora das emoções do expectador. Trabalho com esses dois paradigmas no meu cinema: a expressão pura e o engajamento com as questões que me mobilizam.

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Pra finalizar: no cinema, quem te inspira? Tem algum diretor/diretora/ filme que mudou sua vida?
Me dei conta do impacto e poder do cinema assistindo, aos 10 anos, a “2001” do Kubrick numa tela gigante, no Bruni Copacabana. Fiquei encantada! E descobri que uma história não tinha que fazer sentido, como nos livros infantis, para me engajar completamente. Cresci muito naquele dia. Nunca esqueci.

Foi um assombro também, quando assisti ”Vidas Secas”, do Nelson Pereira dos Santos. Sou uma apaixonada pelo cinema da tela grande. Sinto que os grandes filmes que vi, do Cassavetes, do Bergman, do Antonioni, os filmes americanos dos anos 70, alguns do Polanski, e mais recentemente do Jia Zhang Ke, do Carlos Reygadas e do Nuri Bilge Ceylan, todos eles mudaram minha vida.